Resposta ao Extra

Caros,

na sexta-feira passada, vi em um panfleto distribuído na rua um cesto para roupas por R$ 19,90. Ontem (13/02), fomos ao Extra Benfica, no Recife, para comprar algumas coisa e o cesto. Nas duas prateleiras do cesto, havia dois exemplares apenas, com algumas peças quebradas. Como eram de encaixe, trocamos uma das peças para levar o cesto, mesmo precisando substituir o nylon do pedal, já que o preço estava bom.

No caixa, minhas compras deram R$ 152, apesar dos poucos itens. Desconfiado, meu namorado olhou a nota e viu que o cesto custava, na verdade, R$ 69,90! A caixa chamou o patinador e meu namorado foi com ele, para mostrar que fomos induzidos ao erro, uma vez que dois cestos de outra marca – como constatamos ao ver o panfleto disponível na loja – estavam na prateleira do cesto em promoção.

Perguntei à caixa como fazer o estorno. Ela me encaminhou ao atendimento ao cliente. Chegando lá, apenas uma pessoa atendia. Para minha sorte, não havia ninguém na minha frente (o mesmo não ocorreu com outros três clientes, que tiveram que esperar o meu demorado atendimento para serem atendidos*). Enquanto ela providenciava o estorno, conferimos um item da nota que sabíamos o preço: o sorvete. Na prateleira, R$ 9,48. Na nota, R$ 9,99. Pedimos que ela incluísse a diferença no estorno. Ela nos atendeu.

Apesar de ter recebido meu dinheiro de volta – o que, vale ressaltar, é um direito meu como consumidora lesada -, experimentamos dois completos absurdos. O primeiro, dois cestos que custam o triplo do preço – quebrados – estarem numa prateleira de cestos promocionais (como mostra a imagem abaixo). Não podemos provar, mas só podemos crer que houve má-fé do supermercado ao deslocar essas mercadorias. Ora, quem vai atrás de uma promoção e encontra apenas dois produtos em um espaço quase vazio, e esses dois produtos estando danificados, só pode pensar que aquelas são os que estão em promoção.

O segundo é encontrar pelo menos um item (não conferimos todos) com preços diferentes na gôndola e no caixa. Em uma compra maior, os dois erros não teriam sido percebidos por nós e o “roubo” teria se configurado.

Estamos avaliando levar o caso aos órgãos de defesa do consumidor e talvez à Justiça. Muito longe de qualquer intenção de capitalização nossa sobre o ocorrido, consideramos fazer isso para que sirva de alerta ao supermercado que está sendo, no mínimo, relapso e se omitindo em seus deveres em detrimento aos direitos do consumidor. Isso para não falar em atitudes intencionais para roubar o cliente.

*Detalhe: um dos clientes que esperava queria tirar uma nota fiscal, mas o sistema estava fora do ar há quatro dias (!) e só iria voltar na quarta-feira (!!!)

Resposta ao Extra

Duplo

Mais um da safra 2006


Duplo

Amizade é amor sem sexo. A definição rondou com passos muitos pesados na cabeça de Rômulo depois que ele percebeu gostar de Arnaldo de um jeito diferente. Amigos de longa data, nenhum, do alto de seus 23, 25 anos, havia namorado por mais de um ou dois meses com uma garota.

Mas com Michele foi diferente. Arnaldo se apaixonou e, como acontece com todos os namorados, por mais que sejam novatos, ganham uma importância diferente em sua vida e passam a ocupar o maior tempo possível, como se fosse para compensar sua efemeridade – ou, justamente pelo contrário, pela promessa que carregam, de um dia tornarem-se verdadeiros cúmplices e amantes, ao mesmo tempo e para sempre.

O fato é que Arnaldo, inevitavelmente afastou-se. E foram os ciúmes que alertaram Rômulo para o que, até então, era latente: sua vontade de reorganizar as palavras daquela alternativa que lhe perturbava. Dias e dias passaram-se e, ao final de um mês, ele decidiu o que fazer. Michele foi a primeira vítima. Ela saiu de cena, não se sabe o porquê.

Rômulo sabe que, um dia, Arnaldo vai descobrir porque não consegue manter relacionamentos duradouros. Mas, no fundo, Rômulo quer que esse dia chegue, embora saiba do perigo que corre. Ele espera este dia porque Arnaldo vai poder saber a verdade e, quem sabe, aceitá-la.

 

Imagem: http://renaseveados.weblog.com.pt/arquivo/213693.html

 


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Duplo

Haicais

Ganhei o livro boa companhia de um colega jornalista – muito bom, por sinal, chamado Paulo Goethe. Extraí do livro alguns dos meus haicais preferidos. A obra é organizada por Rodolfo Witzig Guttilla (que também escreve haicais, um deles aqui na minha seleção) e traz, além dos poemetos, a história do haicai no mundo e no Brasil, além de uma breve biografia de cada um dos mais 20 autores.

Ao fim de cada um dos haicais abaixo – ou de um conjunto – o nome do autor.

Clique aqui para saber mais sobre haicais.

Clique aqui para comprar o livro.

A moenda

Na dureza insana,
girando, range esmagando
toda alma da cana

(Abel Pereira)

—–

Luzes acesas
vozes amigas
chove melhor

sem saudade de você
sem saudade de mim
o passado passou enfim

(Alice Ruiz)

—–

Desolação

Fim de estrada. Só
Sem espaço para os passos.
Adiante e atrás: pó.

(Cyro Armando Catta Preta)

—–

Infância

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se: “Agora”.

(Guilherme de Almeida)

—–

Lar

espaço que separa
o volkswagen
da televisão


À bengala

Contigo me faço
pastor do rebanho
de meus próprios passos


Apocalipse

o dia em que cada
habitante da China
tiver o seu volkswagen

(José Paulo Paes)

—–

A cama

Amor silencioso!
Só a cama gemia,
parecia insaciável.


Esconderijo

A palavra-chave
sempre se esconde
atrás da porta.

(Lêdo Ivo)

—–

Há colcha mais dura
Que a lousa
Da sepultura?

Socialistas imundos:
Querem acabar
Com os vagabundos!

Quando estamos sós
Devemos nos tratar
Por vós.

Na poça da rua
O vira-lata
Lambe a lua.

É tudo natural:
A galinha – poedeira;
O galo – teatral.

É meu conforto
Da vida só me tiram
Morto.

O pato, menina,
É um animal
Com buzina.


Prova

Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.


Poeminha à glória televisiva

Não me contem!
Ele era tão famoso
Antes de ontem!


Poema efemérico

Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril


Poeminha fora da estação – coragem é isso aí, bicho!

Eu sofro de mimfobia
Tenho medo de mim mesmo
Mas me enfrento todo dia.


Mestre, respeito o Senhor,
Mas não a Sua Obra;
Que paraíso é esse, que tem cobra?

(Millor Fernandes – gênio)

—–

Duas folhas na sandália

O outono
também quer andar

essa estrada vai longe
mas se for
vai fazer muita falta

acabou a farra
formigas mascam
restos da cigarra

nadando num mar de gente
deixei lá atrás
meu passo à frente

(Paulo Leminski)

—–

Íntimo

Ir e voltar, a esmo.
Estradas abandonadas
dentro de mim mesmo.


Anúncio

Vendo ou troco, urgente:
deserto, um lugar incerto,
por qualquer semente.


Permanência

Um amor sem fim
às vezes dura dois meses,
ou nem tanto assim.

(Waldomiro Siqueira Jr.)

—–

a vida tratou-me bem
tive como quando onde
e nunca faltou-me quem

(Rodolfo Witzig Guttilla)

Haicais

Eclipse

Num clima de saudade de casa, lembrei da parábola do filho pródigo, que me fez lembrar de um conto que escrevi em 2001, sobre um filho pródigo (aqui com algumas pequenas correções, sem mexer no estilo “da época” [já são quase dez anos] nem na essência):

Reinava um silêncio sepulcral. Apenas o vaivém do espanador nas mãos da empregada deixava a ideia que havia vida ali. Era sempre assim. Ninguém em casa. Somente o quadro na sala da dona da casa já falecida guardava a presença da família. Quem quis aquela lembrança ali foi Assis, que, após a morte da esposa, a nada mais se dedicou do que seu trabalho, já que seus filhos eram crescidos. Carlos, o mais velho, ajudava ao pai, e Júlio, o caçula, vivia a vagar, nada o preocupava.

O barulho da campainha adentrou a casa, passando pela sala até a cozinha, onde o jantar já aguardava o seu destino nas panelas.

– Mazé!

– Já estou indo.

Como sempre fazia, Júlio deixava seu rastro na sala com tênis e meias, jogava-se no sofá depois ia para o seu quarto assistir TV. Mas foi diferente aquele dia: sua cabeça estava maquinando com base em sua maioridade, que alcançara há poucos dias. Agora poderia realizar seu grande projeto; conhecer o mundo com uma mochila nas costas e vencer recordes. Mulheres, festas. Realmente não havia nascido para o trabalho. Mas isso requeria dinheiro. E isso seu pai tinha. E muito.

Seu pensamento foi interrompido pelo barulho diferente na sala.

– Mazé, é o papai?

– É.

Seu Assis não era mais o mesmo. Estava abatido, seu olhar era triste. Sentava-se na poltrona e ouvia as notícias das crises financeiras e as guerras que assolavam todo o mundo. Júlio desceu ao encontro do pai.

– Nunca achamos que acontecerá conosco.

– Quê, papai?

– Ahn? Nada. Estava pensando alto.

Agora era a hora. Já podia exigir seus direitos, afinal, sabia o que queria. Já era um adulto.

– Pai, preciso falar com você.

– Fale, filho.

– É sobre aquilo que já comentei. Minha parte, e coisa e tal.

– Ah, meu filho. Eu achei que você desistiria dessa ideia, mas parece que eu estava errado. Assim como também estava quando achei que um dia você iria se interessar por algo que lhe desse um futuro. Eu te dava tudo o que você queria. Depois que sua mãe morreu, eu achei que você… Oh, meu Deus! Onde eu errei?

As lágrimas discretas e escassas começaram a atravessar o rosto árido do pai da família.

– Ei, pai. Não precisa disso. Eu não posso fazer nada se sou assim.

– Nem eu. Já fiz o que tinha de fazer. E não será agora que vou consertar meu erro. Vou lhe dar a sua parte.

Agora Júlio via tudo perfeito a sua frente. Deixou o pouco que restava para trás e durante muito tempo gozou de todos os prazeres da carne, fez amigos, adquiriu bens; longe de sua terra natal, que não achava adequada ao seu estilo.

* * *

– Tudo que é bom demais dura pouco…

– O que você disse, Carlos?

– Não nada. Estava pensando onde Júlio poderia estar.

– Seu irmão se perdeu, meu filho. Só Deus sabe o quanto me doeu vê-lo partir, mas eu não posso escolher os caminhos por ele. Foi ele quem quis assim.

– E essas crises? O senhor acha que vai melhorar?

– Não sei meu filho. Apesar de querer que sim, a realidade me diz que já está perto do fim.

– Não fale assim, papai.

* * *

Júlio nunca foi bom administrador e a responsabilidade nunca foi seu ponto forte. Noitadas, mulheres e empréstimos levaram seu dinheiro e parte de sua saúde. Anemias e náuseas já eram comuns, imaginava  ele que o motivo era a bebedeira. Os amigos do seu dinheiro viraram-lhe as costas e foram procurar o que, outrora, os fez aproximar-se. A ele  só restaram o desespero  e o remorso, além do carro e suas roupas, os únicos sobreviventes dos cobradores e lembranças da herança de seu pai.

– Não posso mais! O que foi que eu fiz? (…) Voltar. Voltar e trabalhar para meu pai, pagar pelo que fiz.

Foi a solução que lhe parecia mais sensata no momento.

*  *  *

De longe a casa estava estranha. As plantas já não eram abundantes e a pintura já não estava mais intacta. Havia muita gente circulando nos arredores . Não podia ser a sua casa. Devia ter errado o caminho. Foi em frente. Seu susto foi maior quando percebeu que aquela era realmente a sua casa, a casa que estava com uma placa na fachada que indicava ”Casa da Luta Contra o Câncer”.

“Papai nunca venderia esta casa” – pensou. Não teve coragem de parar e entrar.

– Mazé!

Como de um sobressalto lembrou-se da empregada. Uma vez havia ido a sua casa, quando aprendia a dirigir levou-a lá. Ainda lembraria? A dúvida não o impediu de seguir o caminho em busca de respostas, principalmente quando passou em frente à empresa e estava fechada, no prédio deserto e deteriorado estava uma placa de interditado.

Depois de algum tempo e muitas perguntas, conseguiu achar a casa da mulher. Uma senhora de cabelos grisalhos abriu a porta.

– Júlio?!? – Ela o olhou com uma mistura indigesta de alegria e tristeza, e o abraçou com lágrimas nos olhos.

– Mazé!

Depois de alguns minutos de conversa, Júlio descobriu como seu pai foi consumido pelo câncer e os negócios decaíram. Descobriu também que não havia mais nada de sua família, seu irmão havia ido para a Itália junto com um sócio e o que havia restado da crise.

As lágrimas abundantes caíram dolorosas como se fossem arrancadas de seu peito. Foi triste para a mulher, que acompanhara o crescimento e a morte daquela família que amava. Abraçava Júlio debruçado sobre ela chorando toda a sua dor como uma criança.

– O que vou fazer agora? Por que ele nunca me falou?

– Uma criança. Você sempre foi uma criança. O que você fez? Nada, você nunca tinha culpa.

Júlio engolia cada palavra em seco, rasgando-lhe todo o corpo por dentro como espinhos.

– Antes de ir, seu pai fez com que seu irmão fizesse exames.

– Exames?

– Ele queria que você também fizesse, lamentou por não ter feito antes com vocês, mas ele achou que vocês nunca sairiam de perto dele, tentou esperar a hora certa. O médico disse que a doença dele era hereditária e poderia ter passado para vocês. Seu irmão não teve nada.

O desespero correu seu corpo como um veneno na corrente sanguínea. Foi embora sem destino. As linhas vermelhas do pôr do sol  eram como feridas em seu corpo. A angústia era sua única companheira. Decidiu atender ao último pedido de seu pai, voltou a sua antiga casa.

Quando chegou, entrou devagar, de cabeça baixa. As enfermeiras passavam de um lado para o outro, junto com papéis e pacientes. Chegando à sala viu um rosto familiar querido. O quadro de sua mãe ainda estava lá. Chorou e pediu perdão. Sentiu um certo alívio por  estar em casa novamente.

* * *

O que lhe havia restado foi embora com exames e remédios. A leucemia o havia deixado em cima de uma cama de enfermaria, com o rosto já diferente pelas noites de insônia, pelos dias sem luz. O corpo estava cansado.

Seu coração acompanhava o ponteiro do relógio que marcava os segundos. Era um bonito relógio. Júlio estava sozinho com seu arrependimento e sua dor, com quem aprendeu a conviver. Um silêncio sepulcral. Interrompido pelos passos da enfermeira no corredor, entrando pela porta. O relógio da parede havia parado a 23 segundos do dia do Natal.

– Vá com Deus. Você merece.

>> Definição do dicionário Aulete Digital:

Eclipse  (e.clip.se)

Substantivo masculino.
1  Astron.  Fenômeno em que um astro fica total ou parcialmente obscurecido, quer pela interposição de um outro astro entre ele e um observador, quer por entrar no cone de sombra de outro astro. [Ger. esse termo é us. em referência ao eclipse do Sol pela Lua, ou da Lua pela Terra.]N
2  Fig.  Forte declínio de natureza intelectual ou moral (eclipse da razão).
3  Fig.  Desaparecimento, sumiço.
4  Mar.  Intervalo de obscuridade entre os lampejos intermitentes de um farol de navegação

[Formação: Do grego ‘ékleipsis’ pelo latim ‘eclipsis’, is. Hom./Par.: eclipse (sm.), eclipse (fl. de eclipsar).]

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Eclipse

Doce envelhecer

Desde 2005 eu não escrevia nada novo em contos. Esse foi feito recentemente:

Doce envelhecer

Por Emídia Felipe

Clique aqui para ouvir esse conto – lido por mim.


Do alto do seu salto de 10 centímetros e sob os olhares atraídos pelo nivelamento de sua calça legging com suas pernas torneadas, Ingrid estava agoniada. Ingrid agoniada, para quem a conheceu, era uma redundância já sem graça. Naquele dia, porém, o nível de estresse em sua mente estava um pouco mais acentuado. Ela teria de ir a um velório e isso era odioso para aquela mulher de 26 anos.

Ver a morte de perto, com um corpo sem vida ao alcance dos olhos e, pior, como centro das atenções, não era o maior dos problemas. Pelo menos não conscientemente. Havia, no íntimo daquela dentista recém-formada, uma inconformação e um pavor incontrolável – porque não dizer uma fobia – contra a inevitável e tirana passagem do tempo que sugava a força e o viço dos seres humanos: a velhice.

A morte, na verdade, seria apenas uma consequência desse mal maior, o envelhecimento, o peso dos anos, a ausência de si mesmo. Era assim que esse horror pressionava o inconsciente de Ingrid, se refletindo na ojeriza a velórios, asilos, geriatras e tudo o mais que remetesse à vida para além dos 60 anos. Esse número, aliás, significava um limite para a filha única de um engenheiro e uma arquiteta. Era um segredo inconfessável, até para ela mesma, que nunca o escreveu em diários ou o relatou em frente ao espelho. Quando completasse seis décadas de vida, cometeria suicídio. Assim evitaria a velhice e suas condenações de doenças, dores, frustrações e dependência da boa vontade alheia.

A hora marcada para ir ao velório em companhia da mãe se aproximava. Ingrid sentiu-se mal. De verdade. Não era invenção. Ficou um pouco tonta e com náuseas. Mesmo se tratando do último adeus à irmã mais velha e última parenta próxima do pai de Ingrid, a mãe teve pena da jovem mulher e, após ver que vomitava pela terceira vez, preferiu deixar-lhe em casa. Obviamente desconfiou que a filha estivesse grávida, mas, quando Ingrid passou mal da última vez, há dois dias, a informação era de que estava menstruada, o que descartava essa hipótese.

Já tinham marcado uma consulta para o gastroenterologista para o dia seguinte – certamente seria mais uma crise de “gastrite nervosa”. De todo modo, cerca de uma hora depois de a mãe ter saído, Ingrid melhorou. Mas os primeiros trinta minutos foram de tortura. Um desconforto que ela já conhecia e que aparecia sempre depois de momentos de tensão como esses. A lembrança de suas avós. Ambas envelheceram da pior maneira possível. Ficaram muito doentes e extremamente dependentes de suas famílias.

A materna morou com a família de Ingrid e foi o exemplo mais nítido de como a velhice pode ser o purgatório de uma pessoa. Maria Evangelista, a avó que morou com Ingrid em um quarto vizinho ao dela desde os oito anos da menina, teve câncer. Definhou lentamente até o golpe de misericórdia da doença chegar e acabar com o que restava de Maria em dois meses. Além da doença, a sanidade mental da mulher que morreu aos 81 anos já a havia abandonado. Não reconhecia ninguém, contava histórias absurdas – por vezes censuráveis ou aos gritos – e precisava da ajuda de uma enfermeira. Quando a assistente não estava, a mãe de Ingrid estava. Ou o pai de Ingrid. Ou a própria Ingrid. Foram anos de angústia para todos. Do outro lado da cidade, a avó paterna sofria de males parecidos e também não tinha controle sobre a própria mente.

Com horror incontrolável de ficar velha, louca, doente e dependente dos outros, Ingrid entregou-se a tudo que fosse passageiro e intenso nesta vida. Tornou-se uma hedonista. Felizmente, a criação responsável de seus pais preveniu um comportamento mais inconsequente, como overdose ou roletas-russas. Mas ela chegou bem perto disso. Usou quase todas as drogas que conhecemos. Explorou os prazeres do sexo como pôde. Usava a maior parte de seus ganhos para festas, shows, viagens e experiências gastronômicas.

Ironicamente, seu medo de envelhecer também a protegeu dos excessos perigosos: qualquer coisa que ameaçasse realmente sua integridade física, mental ou financeira era impedida por ela mesma. Nunca rejeitou as sessões de terapia pagas pela mãe, devido às várias crises de ansiedade pelas quais Ingrid passava; mas a jovem mulher sabia que não precisava confessar o inconfessável, aquilo que talvez nem ela soubesse que existia no fundo de seu coração.

Ilustração: Greg (www.flickr.com/photos/gregoriosim)

No mês seguinte, a borra escura e escassa do mês anterior não veio para Ingrid e finalmente entenderam todos que ela estava grávida do namorado. A gravidez e a maternidade conseguiram debelar um pouco da impulsividade e da ânsia de acúmulo de experiências de Ingrid. Bruno passou a ser o centro da vida dela, como se a Lua fosse mãe da Terra. Ele era iluminado e arrodeado por ela, que se encantava com seu azul.

Foi na adolescência que o menino sentiu mais as raízes hedonistas e aceleradas da mãe. Contudo, entre brigas e reaproximações, conseguiram um saldo positivo ao longo dos anos. Ingrid já estava separada havia oito anos quando Bruno resolveu desposar Cecília, grávida de gêmeos. Ingrid contava, então, 53 anos e o monstro implacável do medo da velhice estava acordando. Só que agora, depois de ser mãe, esposa e agora muito próxima de ser avó, ela resolveu adiar os planos.

Uma década se passou e Ingrid estava em plena forma. Mesmo depois de uma cirurgia para resolver uma úlcera, ela estava bonita, era cortejada – apesar do relacionamento sério com um interessante advogado que conheceu nas Ilhas Gregas – e completamente apaixonada por Joaquim e Antônia, seus únicos netos e novos filhos. No entanto, essa aura de sucesso e amor familiar não impedia que o chamado ao suicídio a oprimisse.

Não podia olhar para baixo de sacadas altas, passar muito tempo com facas ou armas, tampouco deixava venenos visíveis facilmente. Era uma luta silenciosa e morosa. Mais quatro anos se desenrolaram somando mais alegrias que tristezas diante do semblante e corpo elogiados daquela dentista bem sucedida, especializada em odontologia estética. Porém, era uma calmaria antes da tempestade.

As heranças genéticas não perturbaram os pais de Ingrid, mas deixaram, como que em dobro, todas as suas mazelas para ela. Ingrid tinha câncer. De pâncreas. Tentou o suicídio no quarto mesmo. Não deu certo. Sentiu dores terríveis pela quase overdose de calmantes e arrependeu-se profundamente de não ter recorrido às facas da cozinha. Agora estava em um hospital e sentiu que não sairia dali.

Enquanto se incomodava com a rotina lenta do hospital, remoía sua vida. Pensava que se tinha se esforçado tanto mas não conseguiu ser mais forte do que seu destino. Nesse ínterim, começou a notar que estava falando coisas sem sentido para ouvidos de terceiros. Temeu a insanidade e providenciou um caderno e várias canetas. Achou que talvez escrever desse um fio de raciocínio para sua lucidez. E, à medida que escrevia, percebeu que, mesmo tendo aproveitado tanto sua vida, não o fez plenamente porque algo sempre a empurrava: a tendência suicida e o medo de envelhecer.

Era uma opressão tremenda, que a fez passar por tortuosos tratamentos estéticos e crises e mais crises gástricas devido à ansiedade. Agora, ela percebia que, não fosse a boa formação e o bom patrimônio de seus pais, sua ansiedade e impulsividade teriam destruído sua vida, mesmo na juventude. Ela estava consciente – e por isso mesmo extremamente arrependida – de sua aversão doentia à velhice, que estava lhe trazendo amor e serenidade; sabedoria e paz; filho e netos amados.

Assim, concluiu que, mais do que uma terapia, escrever suas confissões era um importante alerta aos seus filhos-netos tão queridos. Joaquim especialmente. Ele tinha um apego especial com a avó. Tratava como uma amiga. Claro que isso parecia muito mais fácil quando seus amigos diziam que ele tinha a avó mais gostosa que conheciam. Mas não a desejava mais do que a amava como a uma irmã.

Ele a visitava todos os dias, até quando chegou no quarto e não a encontrou. Segundos seguintes a chamar pelo nome de Ingrid pela segunda vez, ouviu os gritos das enfermeiras no corredor. Ingrid agora não passava de um misto de ossos, carne, sangre e poeira, depois que se jogou do oitavo andar na obra do prédio vizinho ao do hospital. Nem seu arrependimento, nem sua epifania conseguiram libertá-la do câncer real que a maltratava.

Tudo ficou em pausa durante muito tempo. Muito tempo depois, aparentemente superado o suicídio, Joaquim ajudava ao pai na tardia organização do espólio da avó. Foi quando achou o caderno com 63 páginas preenchidas à mão. Ficou estarrecido, mas não contou nada ao pai. Estava às vésperas de viajar à França para um mestrado e decidiu levar sua avó – em palavras – com ele. Era engenheiro com um talento especial, embora subdesenvolvido, para a literatura.

Longe dos olhares desconfiados para essa sua habilidade artística, ao mesmo tempo que dava conta de sua tese frequentava um curso para novos escritores em Paris. Seu trabalho no fim do curso foi um romance intitulado Les Enchantés*, com a história de sua avó finalizada e as devidas homenagens. O livro teve alguma repercussão local, mas nada que o colocasse em destaque nos cadernos de cultura dos jornais franceses.

Só teve coragem de mandar uma tradução para a família quando voltou ao Brasil para o velório do pai. Todos tiveram um misto de horror e curiosidade – aparentemente semelhante aos da audiência de reality shows em que os participantes têm desafios como comer baratas. O fato é que, em terras brasileiras, até pela associação com a figura de Ingrid, houve um pouco mais de sucesso. Não o bastante para fazer Joaquim ignorar as críticas por parte de sua irmã, de sua mãe e de outros parentes e amigos que sentiam o trabalho dele como uma ofensa à memória de Ingrid e uma exposição desnecessária da família.

Ele nunca admitiu, mas isso o fez voltar para a França. Cecília e Antônia dificilmente tinham notícias dele. O que o filho de Antônia soube, foi pessoalmente, quando resolveu continuar a história da família (havia herdado a veia literária, mais prosperamente do que o tio) e buscar informações in loco. Ele foi a Dijon, onde Joaquim fundara uma ONG de auxílio a idosos, e o que ouviu das pessoas que moravam próximas ao tio até sua morte foi: “Joaquim était le plus heureux vieux que j’ai jamais rencontré dans ma vie**”.

* Os encantados
** Joaquim foi o velho mais feliz que já conheci em toda minha vida

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Doce envelhecer

Sonhos opressores

Artigo da minha irmã-personal-terapeuta, publicado hoje no Diário de Natal.

Elídia Ferreira , Pedagoga // elidiaff@yahoo.com.br

Ao ler o título deste texto, talvez suas sobrancelhas arqueiem levemente para cima, mas não fique intrigado. Apesar de os sonhos serem algo bom e necessário à vida, eles também podem ser distorcidos por nós e se transformar em um potente ácido sobre nossas realizações.

Definições científicas à parte, os sonhos são como a fase inicial das nossas grandes metas. Muitos conseguem usá-los como inspiração para realizações ou como fonte contínua de forças para alcançar objetivos grandiosos. Qualquer administrador ou consultor empresarial lhe aconselhará: ter metas, detalhá-las e ser persistente são alguns dos itens básicos para conseguir o que se quer, independente do tamanho do seu sonho.

Mas, assim como nos planejamentos estratégicos, muitas vezes nossa vida nos traz informações novas, dificuldades ou mudanças bruscas que nos forçam a rever esses sonhos, essas metas. Se não lutamos para ser perseverantes, achando novos caminhos ou mesmo reconsiderando nossos objetivos, podemos ficar presos a algo que não é mais possível – ou mesmo bom – para nós.

É aí que entra o sonho opressor. Quando a imagem que você tinha para você nesse momento é tão diferente do que você é que lhe faz mal, sentindo-se frustrado, derrotado, fracassado. Às vezes, não percebemos que isso está ocorrendo e entramos em um “oito” um circuito fechado onde não há evolução. Ao contrário, é comum haver piora da situação, porque permitimos que o suposto sonho sempre nos diga: “veja só você, era para estar assim e assado e hoje não chega nem perto disso”. Desse modo, o que deveria ser um sonho para inspirar vira um peso.

Em vez de nos entregarmos à opressão desse sonho velho, desgastado, ranzinza, cruel e que não mais reflete as reais necessidades de nossa vida, é preciso olhar ao redor e tecer novas metas. Admitir a falha e perdoar-se por ter errado – porque esse perdão tem o poder de desembaçar nossa visão. Feito isso, podemos nos renovar. O que era sonho ontem, muito provavelmente hoje não se transformou em realidade porque deixou de ser sonho em algum momento. Por exemplo: um sonho de quando você tinha 18 anos, para o seu futuro, quando tivesse com 25, pode deixar de ser sonho quando você chega aos 20. Assim como as outras áreas da vida, os sonhos também precisam evoluir.

Nessa renovação é imprescindível assimilar que a base dos nossos sonhos precisa ser arealidade. Sem esta conexão, teremos apenas metas inatingíveis e inúteis. Conscientes dessas necessidades, podemos sonhar mais à vontade e com maior produtividade, sabendo que esses sonhos são o impulso necessário às nossas realizações, um ponto de energia para os passos necessários para realizá-los.

Sonhos opressores

Resposta pronta para spammers

David respondeu da seguinte forma a uma empresa que lhe mandava (na verdade não sei ainda manda) spam:

Não sei como conseguiram meu e-mail e queria dizer, como um feedback de cliente, que me sinto bastante incomodado quando recebo mensagens em massa de empresas às quais nunca passei nenhuma informação de contato. Além de invadido, acabo nem sequer lendo o conteúdo do e-mail. Na verdade, na maioria das vezes nem o abro. Dessa vez achei que faria melhor conversando com vocês e dizendo como me sinto. Quem sabe até repensem essa abordagem de spam como ferramenta de marketing. As pesquisas dizem spam tem seu grau de efetividade e é economicamente viável para as empresas. Pode até ser.  Você manda 10 milhões de e-mails e tem uma taxa de retorno de 0,7%, que dá  700 mil.  Entretanto, para um número muito maior de pessoas, sua reputação acaba se sujando, porque elas se sentem iguais a mim. Isso não sou eu quem digo, são muitas e muitas pesquisas. Por exemplo, a menos que acidentalmente, provavelmente nunca vou comprar um produto de vocês porque invadiram minha privacidade – não para oferecer algo de relevância para minha vida, mas para a de vocês mesmos: conseguir uma venda. É por isso que acabei me conformando com o tamanho do meu pênis e até hoje nunca comprei viagra.

Achei ótimo e resolvi compartilhar com vocês. Meninas, é só tirar a última frase.

Resposta pronta para spammers

O resto é besteira

Esqueça aquele deprezozinho arrogante que você tem contra palestras de motivação e inspiração. Isso que eu vi hoje é simplesmente a verdade. “A barreira está na sua cabeça”, diz o homem que não pode contar com os braços e usa boca e pés para substituir os membros superiores.  “Se você não tiver entusiasmo, você não consegue nem pedir esmola”. Vale a pena ver tudo. É uma chacoalhada forte.

Eu não o conhecia ainda. O nome dele é Gonçalo Borges. Descobri que hoje ele é artista plástico profissional e professor, além de palestrante. Mas no primeiro vídeo, em que está 12 anos mais jovem, ele ainda liderava uma próspera empresa gráfica com cinco funcionários e já tinha criado a adaptação necessária para o seu carro – “Você é que tem que conquistar seu espaço”. Assisti vídeos mais recentes, mas prefiro o mais antigo: o depoimento dele é mais enfático e instigante.

Este ano, ele até se candidatou a deputado estadual em São Paulo pelo PV, mas sua votação foi muito pequena: 2,7 mil votos (veja no site do TSE) – talvez a missão dele seja mesmo em outra esfera, fora dessa bagunça. Não pesquisei o bastante para me aprofundar em suas últimas ações e caráter, mas aparentemente, ele continua sendo uma ótima fonte de deixe-de-ser-acomodado.

Vídeo de 1998

Vídeo de 2010

Nós temos braço e/ou pernas e/ou mente saudáveis apenas esperando que os usemos bem. Porém, se olharmos ao redor, sempre teremos uma boa desculpa para algo que está errado ou paralisado.

Esse outro vídeo, que não lembro onde peguei, também fala de superação. Só que esse cara, além de não ter braços, também não tem pernas:

O resto é besteira

Quem lhe dera ser canibal

Congestionamento na Rosa e Silva, mesmo em uma noite de domingo, não é uma surpresa. Tampouco obstáculos no meio da rua. Buracos, carroceiros e gente idiota que para onde não deve sempre aparecem. Só não sei descrever minha reação quando vi que o que fazia os veículos desviarem da margem esquerda da avenida era um menino, sentado no asfalto antes da faixa de pedestres, com a cabeça entre os joelhos, de costa para os carros, que também davam as costas pra ele. Indescritível, porém, foi o que senti quando eu instataneamente coloquei a cabeça pra fora do carro (sem parar, só devagar) e disse: “Menino, saia daí, você vai ser atropelado!”. E ele só gritou de volta: “Eu tô com fome!”. O pequeno saco de ossos ali juntou duas verdades: sim, ele também tinha fome de atenção. Não, ele não tinha nada a perder.

Certamente aquela alma vagou horas – quiçá o dia todo – até chegar à inevitável conclusão de que não fazia sentido pedir o que não querem lhe dar. Talvez ele não entenda, mas a cada carro que passava, ele mendigava por um pouco da vida que não via em si próprio e achava apenas dentro dos vidros fechados. Quem sabe até um sorriso valesse, como quando a gente, que tem vida de verdade, esperava quando fazíamos um desenho ou alguma gracinha infantil pros nossos pais.

Quem come todos os dias, várias vezes por dia, não vê nesse vazio da barriga ou na completa falta de sentido para continuar respirando um motivo pra tentativa de suicídio. Mas aquele argumento fulminado, que pode ser traduzido como “Que se foda, eu não tenho vida mesmo”, congelou meus sentimentos. Foi chocante, mas também anestesiante. Segui com o carro e meus dois passageiros não disseram nada. Foi uma cena tão deprimente que os três, como que em um acordo tácito, ignoraram o assunto.

Expressão da pobreza espalhada do Recife, ele estava descalço, sujo, vestido com uma camiseta e uma bermuda velhas e cobertas de imundície, certamente descartadas por algum adulto. Com seus 11, 12 anos, ele sequer levantava a cabeça, mesmo quando algum pneu passava por perto. Por sorte – dos motoristas e dele -, o menino da rua estava próximo a um cruzamento, onde havia um semáforo. Mas, espere, eu vi tudo isso porque o sinal estava fechado. E quando estava aberto? E se algum carro o pegou? E se ele saiu de lá e não conseguiu comer? E se era tudo mentira e ele estava apenas se vingando dos riquinhos? (Perguntas como essa última passam também pela cabeça, prova de que muitas vezes traímos nossos princípios mesmo que por alguns segundos).
Só que uma coisa dessas não deixa impune a consciência de quem diz ter uma. Ficou na minha cabeça como uma torneira que pinga durante a noite, e você nem consegue dormir direito nem vencer a preguiça de se levantar e ir até a cozinha fechá-la. Ora, se quem, como eu, se diz diferente de quem ignora a violência ao seu redor (como reflexo da própria omissão) faz isso, como culpar os imbecis que não veem nada além da própria arrogância?

Edmund Burke talvez se inspirasse no menino, e em toda cadeia de miséria e violência que compõem o seu contexto, para lembrar a nós, pessoas teoricamente civilizadas e supostamente não alienadas: a omissão dos bons alimenta o mal. Não adianta só escrever, falar, enfeitar com teses. Não sei vocês. Eu, pelo menos, preciso fazer alguma coisa.

Ilustração de Gregório - http://www.flickr.com/photos/gregoriosim
Quem lhe dera ser canibal

Eu quero fazer!

Meu primo, Ranieri, é estudante de engenharia química e mora na França há algum tempo. De nerd, ele só tem as notas. É um aventureiro. E essa última dele me contagiou demais – 100% DUCA. Eu também vou fazer. Afinal, pra baixo, só pode ser fácil.

PS.: quem se incomodar com o modo como ele escreveu pode comprar a cova e arrumar as malas pra tumba. Porque só quem não tem vida nas veias não compreenderia que as sensações descritas – muito bem – por ele sublimam qualquer agressão à norma culta.

 

Olho pro chao, grito e ME JOGO !

La estava eu, sem muita coisa pra fazer (pra variar), quando decido fazer algo pra me movimentar. Faço alguns telefonemas e arranjo um programa pro fim de semana. Combino com um amigo e esta tudo certo. Eh algo diferente, digamos inusitado.

Chegando no local combinado, encontro meu amigo  e vejo algumas pessoas ja prontas pra partir. Cinco minutos depois, vejo uns pontinhos coloridos  zig-zagueando e vindo na minha direçao. Sinto a espinha gelar…Depois de algumas cansativas horas de aulas e treinamento, eu estou pronto ! Agora é minha vez.

Eu vou pular de paraquedas !

Entro no aviao, pensamento a mil por hora, mas to ainda tranquilo (Eh ai que eu percebo o quao mané eu sou : to pagando caro pra me jogar de uma aviao em pleno voo… ).

O aviao decola, vejo o chao se distanciando… Fico um pouco menos tranquilo. A mil e quinhentos metros de altitude, a porta do aviao se abre… Aquele gelo na espinha de antes passa pro corpo todo ! O vento quer me carregar ! Tudo passa na cabeça ao mesmo tempo ! «  O que é que eu to fazendo aqui ? » « Onde é que eu vou parar ? » « De onde raios eu tirei essa idéia ? »

O primeiro maluco se joga. Vejo o quanto é MASSA e quero ir junto!!!!!!!!  Vai o segundo. Vai o terceiro. Eh, finalmente a minha vez !

A instrutora bonitona me chama, eu me aproximo da porta. O vento é surpreendentemente forte ! Tenho que me segurar bem. Sento na beirada da porta com os pés no vazio. Ela me da o sinal de permissao. Respiro bem fundo. Olho pro chao, grito e ME JOGO !! « AAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHHHH »

Sinto tudo saculejar, tudo girando ! Nao sei onde eu to. Barulho ensurdecedor. COMPLETAMENTE DESORIENTADO ! Nao sei o que é direita nem esquerda, em cima ou em baixo. So sei que ainda to caindo !

Dez segundos depois, nao escuto mais nada ! « Lascou-se, estourei meus ouvidos », imagino. Olho pra cima e vejo o paraquedas aberto. « Beleza, to surdo, mas pelo menos nao to mais caindo, nao morro mais ! »

De repente, escuto uma voz chamando meu nome ! « Ranieri, Ranieri ». Respondo : « Deus ?  Eu morri ? Fui pro céu ou pro inferno ? ». Me arrependo de ter aperreado tanto a coitada da minha mae e as sem-futuro das minhas primas. Dai, eu percebo que a voz tem um sotaque francês boiola. Nao é Ele, até porque Deus é brasileiro ! Penso mais um pouco e descubro que é o radio no capacete que ninguém me avisou que tinha ! Sigo as instruçoes do radio.

Me acalmo e curto o momento. Paisagem linda, do lado da cordilheira dos Pirineus.

Eh nessa hora que eu lembro q tenho maos e dedos. E que com um frio de MENOS CINCO graus, eles doem so de mexê-los. Mas nao to nem ai, é tudo muito legal…

Me lembro que me aproximo cada vez mais do chao e que tenho que aterrissar. Lembro do que aprendi nas aulas e de todo o procedimento. Faço todas as manobras conforme o procedimento e… BUNDA NO CHAO ! Pura classe. Mas nao tem problema, como to todo congelado, nao sinto nada… por enquanto.

Junto o paraquedas numa grande trouxa e sigo em direçao ao hangar com um sorriso que vai de orelha a orelha e umas das melhores sensaçoes do mundo : alivio. Quero MAIS !

Depois de vinte minutos conversando sobre o salto com a bonitona da instrutora, começo a sentir sensaçoes estranhas… DOR.

Depois, que a adrenalina vai embora, depois que eu relaxo e quando eu tomo conta do que aconteceu, começo a sentir meus dedos e minhas maos que sustentaram minha queda. Mas tudo bem, nada grave.

Na conversa de vinte minutos que eu tive com a bonitona da instrutora, ela me explicou que os dez segundos de queda, foram, na verdade, TRÊS segundos ! Tudo passa em camera lenta ! Ela me explica também que eu nao fiquei surdo, simplesmente parei de cair. Ela me fala que todos hesitam a primeira vez. Eu, pelo contrario, ja queria me jogar antes da hora. (mal sabe ela…) Vimos tambem o video do meu salto. Sem comentarios… Você ja teve, por acaso, a experiência de jogar uma tartaruga pro alto e ver o que acontece ? Nem eu. Mas imagine. Se vc conseguiu imaginar a cena, nao precisa mais ver o video.

Recomendo pra todo mundo ! Otima maneira de esquecer o estresse do trabalho (o que nao é o meu caso, obviamente).

IRADO !!! QUERO MAIS !!!!!

P.S. Ainda vou fazer mais nove saltos e das proximas vezes nao serao somente três segundos de queda, mas cinquenta ! Ai sim vou fazer palhaçada a vontade !

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Eu achei dois sites bem legais aqui no Brasil. Um do Rio de Janeiro – http://www.atreva-se.com/ (muuuuito massa) – e outro aqui em Pernambuco – http://www.fpepq.org.br/

Eu quero fazer!